“No Brasil os restaurantes ficaram soltos à sorte de cada um”
Texto de Miguel Pires
Quando no início de 2020 propus que o título da reportagem sobre o Corrutela na Cook Inc fosse a fala retirada do filme Joker, de Todd Phillips, “Is it just me, or is it getting crazier out there?”, estávamos longe de imaginar que um vírus que afectava severamente uma cidade na China viesse tragicamente contaminar o mundo inteiro. Na época, a escolha, ilustrada por uma imagem em que o Chef César Costa pulava em cima de um carrinho de supermercado com uma expressão demoníaca, serviu para dar maior ênfase ao trabalho que ele vinha fazendo no seu restaurante em prol da sustentabilidade – como um protesto face ao excesso de consumo e ao desperdício alimentar. Porém, quando a revista foi publicada, em Março de 2020, qual profecia de Nostradamus, o título ganharia um outro significado. Nessa altura, um pouco como em todo o planeta, também no Brasil os restaurantes começavam a fechar temporariamente por causa da pandemia. Foram quase cinco meses em que o Corrutela sobreviveu com alguns apoios governamentais e através de um sistema de delivery de seus pratos e produtos dos seus fornecedores.
O restaurante viria a Abrir em Agosto e, uns meses mais tarde, a entrada no 50º lugar na lista Latin America’s 50 Best Restaurants viria a dar-lhe um precioso “boost” em termos de afluência de público e de faturação. Porém, já recentemente, no dia 6 de Abril, passado pouco mais de um ano após o início do primeiro confinamento, o Corrutela voltaria a anunciar (no Instagram) novo fecho “por tempo indeterminado”. Ao telefone, César Costa confirmou-nos a notícia dizendo que foi uma decisão racional. “O dono de um restaurante coloca muita emoção, muito da sua vida nele e é difícil vê-lo como um negócio. É unânime, estava perdendo dinheiro, fechado sangra menos”, refere. E desta vez não haverá entrega de comida em casa. “O Corrutela não combina bem com um modelo de delivery. A minha comida não é feita para viajar”, afirma.
Com 30 anos completados recentemente e a dois meses de ser pai pela primeira vez, César Costa não sabe ainda por quanto tempo permanecerá encerrado, depende de como for evoluir a pandemia, em São Paulo. Porém, não pretende atirar a toalha ao chão, até porque vai manter o ponto (local), onde investiu muito para instalar o restaurante – entre uma composteira no salão, painéis fotovoltaicos e outros apetrechos em busca de reduzir ao máximo a sua pegada ecológica. César Costa diz querer procurar fazer algo nesse hiato e admite ser “um privilegiado” por, embora com muito custo, poder tomar uma decisão destas. Além do mais, chama atenção igualmente para o “prejuízo psicológico” que é estar a operar numa conjuntura extremamente adversa como esta. “Esse fator não é muitas vezes mensurado”, afirma. A concluir, o chef brasileiro diz não querer mais embarcar nessa “roleta russa” de ficar abrindo e fechando de acordo com o agravamento ou levantamento das restrições – o Brasil atravessa o pior período desta crise sanitária, com uma média de casos que chega a ultrapassar as 3000 mortes/dia e com uma polarização extremada em termos políticos, com muitos Estados procurando contrariar o governo Federal anti-lockdown, liderado por Jair Bolsonaro, um polémico ex-militar de extrema direita, que tem tido um comportamento errático e negacionista durante a pandemia. Ainda para mais, no que diz respeito à restauração, desta vez não estão previstos auxílios do governo. “Os restaurantes ficaram soltos à sorte de cada um”, refere por último César Costa.